Quantas chances se pode ter de retornar a vida?

EÓRIA é um blog criado para divulgar a trilogia de mesmo nome, cujo o livro um da série, “O retorno da guerreira”, conta a história de uma sociedade de vampiros que foi obrigada a se refugiar no subsolo para sobreviver a partir da rivalidade desencadeada entre vampiros e lobisomens...

domingo, 2 de dezembro de 2012

CAP 5 O TERRÍVEL PESADELO


Capítulo 5
                                                             O terrível pesadelo

        - Vá chamá-la, e diga-lhe que não aceitarei recusas para o jantar. Diga-lhe também que não se trata apenas de jantar, mas de uma conversa que precisamos ter.
        Leonor falou tão mecanicamente, como se estivesse maquinando algo, e sem levantar a cabeça, dispensou a criada com uma das mãos.
        - Vá, vá, vá...
        Quando Clarice bateu em minha porta novamente o relógio marcava 08:00 PM, quis dar uma desculpa qualquer, ainda não queria ver ninguém. Porém, ela foi tão insistente com o recado de sua senhora que eu resolvi descer para o “jantar”.
        Como previ, Leonor estava sentada na cabeceira da mesa de jantar, não tocou em sua comida até que eu sentasse e me servisse, no mais absoluto silêncio como sempre.
        Foi então, que ela começou assim...
        - Como está o jantar?
        - ótimo!
        Embora ela tenha percebido que eu brincava com a comida distraidamente.
        - Espero que esteja do seu agrado, mandei fazer especialmente para você, imaginei que a falta de apetite lhe sobreviesse depois da infortuna notícia.
 “Por que ela estava tão preocupada comigo?”
        - Você adivinhou.
        Respondi secamente.
        - Minha criança, você precisa se alimentar. Afinal de contas você é nossa pequena guerreira.
 “O quê? Que merda é essa que eu acabei de ouvir?”
        Meu apetite fugiu de vez ao som daquela afirmação. Meu primeiro impulso era de sair dali para o mais longe possível daquela mesa. Mas eu não fiz.
        - O que quer dizer com isso Leonor?
        - Vou direto ao assunto, pois acho que conhecendo o Bill Grant como eu conhecia, tenho certeza que o que vou dizer faz total e absoluto sentido.
        E Continuou:
        -Elizabeth, o seu avô se arrependeu do primeiro testamento, nós nos desentendemos por um período, porém acho que ele se arrependeu de ter sido tão duro e resolveu dar uma segunda chance criando esse testamento definitivo.
        - O que quer dizer?
        Eu não estava conseguindo entender o que ela dizia, eu achei que assim como eu, ela estaria desesperada, pois, caso eu não me casasse o testamento era bem claro, todos estaríamos na sarjeta. Então, me lembrei do seu olhar de triunfo e do seu meio sorriso na sala do escritório pela manhã.
        - É simples. Seu avô se aborreceu comigo e quis se vingar de mim, mas conhecendo ele como eu conheço, deve ter se arrependido de não ter nos incluído, em seu testamento, o Anthony e eu obviamente , portanto, criou este testamento definitivo, para garantir que nós tivéssemos uma segunda chance minha querida! Pense comigo, o seu avô jamais admitiria ver o suor do seu trabalho, nas mãos do Estado, ou de um desconhecido. E quem é o homem de confiança hoje a frente dos nossos negócios? Por outro lado, ele saberia que eu jamais permitiria deixar você solta, sem segurança se algo acontecesse com ele. Então, me conhecendo como ele conhecia saberia que certamente eu assumiria a sua educação e a manteria como sempre foi; sobre os nossos olhos. O que é um inconveniente, pois, não permitiria a você conhecer outras pessoas. Levando-me a concluir que seis meses é muito pouco tempo para se conhecer alguém e casar-se. Posso afirmar, com certeza, que a intenção da minha raposa velha, era que tudo ficasse em família, dando a você apenas uma opção: Anthony.
        Isso tudo era tão absurdo que eu nem consegui piscar.
“Casar com o Anthony? Nãnãnão! Ele não faria isso comigo, não me armaria um golpe desses, então além de casar, ele próprio se certificou de com quem seria? E logo o Anthony?”
        - Você está falando do velho Bill, alguém que eu conheci alguém da minha inteira confiança, ele não tiraria minha liberdade assim, ele não me deixaria sem alternativa.
        -Não seja tola Elizabeth, o Anthony não é um fardo para nenhuma mulher com um perfeito juízo em sua cabeça. Aliás, você está sendo egoísta mocinha, pois, ele também não tem opção diante das circunstâncias e talvez ele esteja perdendo bem mais com esse testamento do que você.
        Essa foi boa, Anthony, o sonho de toda mulher com juízo perfeito. Eu estava cansada demais para pensar em mais alguma coisa, apenas levantei e saí. Prometendo a mim mesma que por hoje, não pensaria em mais nada que dissesse respeito a esse assunto, apenas recuar para lutar amanhã, no momento era tudo o que eu podia fazer.
        Entrei no quarto passavam das 09:00 PM, precisava descansar, liguei a TV em frente a cama e deitei, meus olhos estavam tão pesados que não consegui me conter diante da exaustão e me entreguei ao sono.
        A lua estava linda, cheia e clareava parte de uma floresta. Eu sentia todas as sensações de voar. Frio, um pouco de medo de altura, adrenalina, o cheiro da floresta. Podia ver tudo de cima, percorrer distâncias imensas rapidamente. Adiante entre as árvores, vi uma mulher deitada no chão, na terra, imóvel. Será que estava dormindo? Num impulso cheguei mais perto e quando me aproximei, pude perceber que ela estava toda de branco, não dava para ver direito, mas eu acho que...
“Ó meu Deus! Ó meu...”
        -Não quero ver isso.
        Vi manchas vermelhas e minha visão embaraçou, não podia acreditar no que via, mas acho que ela estava ferida, estava m-o-r-t-a...?!
        -Ó não, não...volte, preciso ajudá-la!
        Eu não conseguia segurar o meu sonho, ele estava me puxando para fora da visão.
“Não acorde, não acorde, não acorde... NÃO ACORDEEEEEEEEEEEEE!!!”

quinta-feira, 23 de agosto de 2012


                                                            Capítulo 4
                                                       Memórias de Liz

        A mansão pela primeira vez parecia um lugar desconfortável pra mim, eu queria sumir daquela casa, eu queria sumir daquele lugar e de todos, especialmente, eu queria matar o velho biruta...
“Se eu pudesse fazer com que ele morresse uma segunda vez...”
        Entrei no meu quarto completamente desorientada, bati a porta com força chorando grossas lágrimas e pensando o quanto eu o odiava por ter tornado minha vida um inferno desde de que ele decidiu morrer... e o quanto ele continuava a me punir mesmo após a sua morte.
“Talvez ele me culpasse pela morte do papai, talvez...”
        -Nãooooooo! Eu confiava em você...! Eu te odeio, seu velho sem juízo! Você quer acabar com a minha vida?! Mas eu não vou deixar! Eu não me importo com sua fortuna! Guarde-a no seu caixão! Eu vou embora daqui, vou fugir... e só!
        Era um choro convulsivo, minha cabeça doía muito como se fosse explodir e eu tremia de raiva e indignação com aquela traição.
        Sally batia na porta pedindo para entrar, mas eu não queria ver ninguém, não queria.                          Não havia nada a ser feito eu simplesmente estava condenada.
        - Liz minha querida, Liz abra a porta...
        Não sei dizer quando eu apaguei, mas dormi pesado e sonhei com o velho Bill, rindo pra mim, ou seria rindo de mim, não sei dizer. Porque mesmo ali, a raiva era imensa e eu não conseguia pensar direito.
        A escuridão tomou conta do sonho e uma névoa espessa se formou entre eu e o velho, a raiva, deu lugar ao medo, eu não conseguia mais ver o sorriso dele, nem vê-lo. Eu estava lá sozinha, só escuridão e neblina, nenhum pensamento ousava passar pela minha cabeça, a expectativa era imensa, o medo do que eu podia encontrar fazia com que o meu coração acelerasse mais rápido que o coração de um bebê. Eu costumava a ter pesadelos e geralmente eram iguais, quase toda noite, um desconforto apertou meu estômago e eu os vi, olhos brilhantes, vermelhos sangue dentro da névoa em minha direção, e se aproximavam cada vez mais. Olhos, que eu não conhecia, olhos de ódio, profundos e frios.
        - Bill é você? Vovôôô...
        A medida que aqueles olhos se aproximavam as minhas palavras iam sumindo, até que eu não consegui mais dizer nada e imediatamente eu quis fugir, mas não conseguia me mexer. Percebi sua sombra na névoa, era mais alta do que eu e sua forma era forte e masculina, fechei os olhos esperando acordar a tempo até que uma mão tocou meu antebraço com força eu gemi de dor e desespero, suas mãos queimavam em mim. Logo em seguida, acordei suando muito, coração batendo acelerado, boca seca e mil pensamentos invadindo minha cabeça, mas o que era aquilo, quem era aquele...? Falando para mim mesma, eu repetia feito louca:
        - Esquece isso, foi só um pesadelo, só um pesadelo...
        Era tudo que eu podia fazer agora, tentar me controlar. Foi uma noite difícil pensei; dia estranho. E quando olhei no relógio, marcavam onze horas da manhã? O quê? Ou eu dormi um dia inteiro ou ainda nem era noite. Foi então que me lembrei o porquê me joguei na cama, o porquê estava me sentindo quebrada e desejei voltar ao pesadelo a viver a minha realidade.
        Mas uma vez alguém batia na porta do meu quarto, só que dessa vez era leve e uma voz trêmula disse do outro lado:
        - Senhorita, senhorita Liz, a senhora Leonor espera pela senhorita para servir o almoço.
        De súbito gritei sem ao menos abrir a porta:
        - Clarice, diga a Leonor que não tenho apetite, não quero ver ninguém e nem falar com ninguém, entendido?
        Clarice era quase da minha idade, seu pai era o nosso jardineiro, boa gente. Ela era bastante tímida e um tanto simpática, eu não me relacionava muito com ela, e é verdade que nem sempre notava sua presença de tão quieta que a menina era. A Sal é que vivia conversando com a Clarice, dando conselhos e incentivando-a a estudar, a ir mais longe, “quem sabe cursar a universidade”, a Sal dizia. Não via muito entusiasmo de sua parte, mas com certeza respeito eu via. Era uma boa moça como diria o Bill.
        - Sim, senhorita.
        E logo passos apressados cruzaram a frente do meu quarto e sumiram pelo corredor, descendo as escadas. Deitada na cama, deixei que diversas coisas passassem pela minha cabeça, menos aquilo que me fez perder a fome.
“Não sei por que Leonor insistia tanto em viver como no século passado.”
         Eu ironizei:
        - Senhorita isso, senhora aquilo...
“Não entendo porque ela fazia tanta questão em obrigar os empregados a aprenderem as normas cultas e repetí-las o tempo todo. Quem fazia isso hoje em dia?”
        - Por mim seria sempre Liz, Liz, Liz... Sem mais...
        Olhei ao redor e dei uma boa observada em meu quarto. Espaçoso, minha cama no centro, colchas grossas e bem trabalhadas, armários, um frigo-bar, um imenso closet e muitas outras coisas que enchiam aquele ambiente de requinte e bom gosto, quase um quarto digno de uma princesa ou seria inteiramente de uma princesa. A verdade é que ele não perdia para nenhum outro em que eu estivera hospedada quando o Bill era vivo. Ele adorava conforto e não economizou em nada com a minha pequena e luxuosa suíte cinco estrelas Grant. Na verdade ele se esforçou ao máximo para que eu não sentisse tanta falta de casa quando os meus pais se foram. Foi um choque para ele, seu filho único, sua nora... Foi um verdadeiro milagre que a criança tivesse sobrevivido, foi isso que disseram a ele quando me entregaram nos seus braços, após o resgate. Eu tinha cinco anos e ele era tudo que me restou.
        Sentada ali, pude me lembrar o quanto ele era carinhoso, como se preocupava com os detalhes da vida da sua pequena guerreira. Seus olhos fortes e seu sorriso fácil era o que eu costumava receber todas as manhãs, pois era ele quem me acordava, era ele quem falava que eu tinha o espírito de uma índia guerreira. Ele confiava na minha força, mas do que eu mesma, e não desviava seu olhar de mim. O tempo em que passávamos juntos era tão grande, que o Anthony, filho da Leonor e preferido do meu avô antes que eu chegasse, torcia o nariz para mim e cutucava sua mãe, quando me via. Ele era muito chato, às escondidas, puxava meu cabelo e gritava comigo, não só comigo, mas também com o Drew. Anthony era pelo menos dez anos mais velho que eu e o Drew, o que dava a ele uma vantagem imensa sobre nós. Nunca conseguimos revidar suas maldades.
        Desde que fui morar com o Bill, nenhum dos meus dias tinham sido iguais, ele sempre inventava uma viagem, era um desbravador, um espírito livre, ele ouviu isso na África quando fomos lá em certa ocasião. Um chefe de uma tribo, disse a ele que o seu espírito era livre, desbravador, foi lá que nós ouvimos do mesmo senhor que eu tinha um espírito guerreiro e indomável. Ele gostou tanto disso que depois desse dia ele nunca mais deixou de me chamar de “minha pequena guerreira”.
        As lembranças passavam diante dos meus olhos como se estivessem acontecendo naquele momento.
        O Bill apesar de nunca tirar seus olhos de mim, sempre deixou que eu resolvesse os meus problemas sozinha. E sempre me alertou quanto a julgamentos. Ele dizia:
         “- Julgamentos minha pequena guerreira, pertencem às almas precipitadas, lembre-se disso. O homem sábio trava a batalha dentro de si e somente na exaustão o guerreiro vencedor pode dominá-lo, assim, ele jamais nega a sua natureza, mas amadurece o seu espírito.”
        De todos os lugares que ele mais gostou - sei disso por causa da intensidade do seu entusiasmo quando visitávamos muitos lugares- A Índia, a África, a China e a Grécia, tocaram seu coração como diamantes tocam os olhos das mulheres apaixonadas. Não pelas suas belas paisagens, mas pelo povo. Meu avô gostava de gente e de conhecimento e esses lugares o enfeitiçaram irremediavelmente.
        É por isso que eu queria tanto viajar, queria viver um pouco disso tudo novamente, terminar o que ele começou, dá a volta ao mundo e me tornar um espírito livre e desbravador.
        Com todas essas viagens eu nunca pude ter uma vida normal, sempre tinha um professor particular nos acompanhando, o vovô os escolhia pela coragem demonstrada e pelas charadas decifradas que ele lançava como desafio, ele nunca escolhia pelo conhecimento acadêmico e por seus belos currículos, o que era estranho, já que eu precisava aprender algo. O mais estranho é que sempre dava certo e todo mundo saía ganhando. Eu aprendia, nós desbravávamos, o professor ganhava muito bem e todos voltávamos felizes e seguros para casa. A Leonor detestava as viagens do velho Bill, ele geralmente evitava os lugares convencionais como Paris e Paris, não que ele não gostasse, mas é que ele era um homem rústico, se escolhesse Paris, teria que levar sua jovem esposa, portanto, não poderia dizer não ao tempo perdido com grifes e jantares que não matavam a fome de ninguém, segundo ele.
        Eu por outro lado adoraria se ele variasse um pouco, e ajudasse a me sentir mais feminina. A presença de uma mulher, não seria nada mal de vez em quando, mesmo que fosse a “Leoa”.
        A Leonor quase nunca me dirigia a palavra e depois de um tempo nem mesmo com o Bill ela costumava a falar direito. Vivia pajeando seu tão precioso filho e ensinando-o a tirar vantagens do coração bondoso do Bill.
        No dia em que o desbravador fechou os olhos, eu tinha quinze anos, e tantos sonhos pra realizar com ele ao meu lado. A pequena guerreira vacilou, parte de mim entristeceu tão profundamente que eu pensei nunca mais ser possível gargalhar despreocupada e naturalmente como antes. A dor não tinha fim. Os dias passaram. As coisas mudaram. Eu me tornei prisioneira em minha própria casa e Leonor a cada dia que passava espalhava vitoriosamente suas peças sobre o tabuleiro. Mas eu não me importava, eu só queria levar adiante. E nem mesmo as conversas animadas e o coração entusiasmado do Drew, conseguiam transpor a barreira de gelo ao redor do meu.
 “ Por que ele fez isso? Por que ele pensou uma coisa dessas? Por que me prender assim, se eu era sua pequena guerreira indomável?”
        - Ele me traiu!







terça-feira, 14 de agosto de 2012


Capítulo 3
                           O testamento de Billie Grant

        A mansão era um lugar confortável pra mim, era lá naquela casa que todas as minhas lembranças pareciam vivas. Todas as vezes que eu descia aquelas escadas era como se em seguida o velho Bill Grant surgisse e com seu olhar vivo e seu sorriso largo me apressasse escada abaixo dizendo:
        “- Pronta para mais uma batalha, minha pequena guerreira!”.
        Ele sempre me chamava assim, ele sempre estava me lembrando que cada dia era uma batalha na vida e ao final o que contava eram suas pequenas vitórias sobre si mesmo, sua cautela e resignação para vencer a derrota e lutar no dia seguinte. E, acima de tudo, nunca desistir. Ele nunca desistiu de nada, não que eu me lembre.
         “Lutar e vencer ou recuar e planejar para a próxima batalha”. Esse era o seu lema.
        Sem sentir que já havia se passado meia hora, ao chegar à porta do escritório que estava aberta, pude ver a Leonor sentada em uma cadeira imponente de couro atrás de uma mesa de aparência austera, pesada e escura. Aquele foi o único lugar em que ela não pode decorar, o Bill a proibiu. Ela estava tensa e impaciente. Enquanto isso o senhor Trevor estava em sua frente sentado em uma das duas cadeiras que ficava em frente ao móvel, estrategicamente afastadas uma da outra, e, ambas, de frente a Leonor. O Sr. Trevor não parecia impaciente, porém notava-se um nervosismo em seus olhos e suas mãos apertadas uma contra a outra.
        Quando me viram, automaticamente ela apontou para cadeira vazia em sua frente sem dizer uma só palavra, me dando uma olhar lascivo. E virando-se em direção ao senhor Trevor ela disparou:
        - Agora podemos começar logo com isso senhor Trevor?
        O que me fez deduzir que ela quis saber antecipadamente do que se tratava, mas que dessa vez o senhor Trevor não pode ser conivente. Entrei, fechei a porta e caminhei em direção a cadeira vazia.
        -Bom dia senhorita Elizabeth!
        -Bom dia senhor Trevor!
        -Muito bem...
        Ele fez uma pausa, olhou para mim e prosseguiu:
        - Após a morte do seu avô, o senhor Billie Grant, o testamento foi lido parcialmente aos interessados...
        Antes que ele pudesse continuar Leonor cortou suas palavras.
        - O que? Mas como é possível ter sido... de forma parcial... eu não entendo... isso não é certo...
        Eu também fiquei surpresa, não conseguia pensar no que poderia ser aquilo de parcial que o Bill poderia ter feito.
        - É o que eu gostaria de explicar senhora Grant.
        Disse ele, dando uma pausa e olhando para ela, para ter certeza que não seria mais interrompido.
        -Bem, o senhor Grant, deixou um testamento parcial após sua morte que deveria ser apresentado imediatamente após todos os tramites legais aos familiares e interessados em questão. Uma das cláusulas, porém do testamento definitivo impedia este de ser lido antes do prazo, e isso só seria possível quando faltasse apenas seis meses antes da maior idade da senhorita Grant, herdeira de todos ou quase todos os seus bens.
        -Leia!
        Impacientemente eu ordenei.
        - Pois bem. Todos os bens, contas, ações, propriedades e inclusive essa casa...
        Casa? Eu pensei e rapidamente falei.
        -Espere senhor Trevor, se a casa está incluída nesse testamento definitivo, então a Sally deveria estar aqui, não deveria?
        -De fato sim.
        -Vamos logo com isso senhor Trevor.
        Leonor replicou.
        Mas o senhor Trevor muito calmamente se fez ouvir:
        -A senhorita Elizabeth de fato tem razão quanto à presença da outra parte interessada, precisamos que ela esteja presente, não posso dar continuidade sem ela.
        Insatisfeita, Leonor passou por nós e abriu a porta pesada a nossas costas, chamando uma das empregadas bufou:
        - Vá chamar a cozinheira! Diga para ela vir ao escritório rapidamente!
        A pequena só teve tempo de dizer um singelo, sim senhora. Ignorado por Leonor com um balançar de mãos.
        Em menos de cinco minutos a figura de Sally se fazia presente no escritório.
        -Senhora, mandou me chamar?
        Sally disse com simplicidade.
        Leonor por sua vez a olhou desgostosamente dos pés a cabeça como era de seu costume e disse:
        -Sim, arranje um lugar para sentar-se e ouça.
        Eu sorri para ela, ela retribuiu e sentou-se próxima a mim em uma cadeira esquecida no canto da sala, sem nada dizer. Porém seu olhar me dizia que ela compreendia a urgência do seu chamado até aquela sala e do que se tratava a pequena reunião.
        -Bom...
        Falou o senhor Trevor testando a garganta e bebendo um pouco da água de um copo que estava próximo a ele na mesa.
        - É melhor continuarmos de onde paramos.
        E sem se preocupar em explicar nada a Sally ele continuou:
        - O senhor Grant deixa a sua herdeira e neta senhorita Elizabeth Grant, todas as suas posses e metade desta casa, juntamente com suas ações, contas em banco e tudo mais que lhe pertencia definitivamente assim que esta atingir a maior idade.
        -Isso já sabemos, qual é a novidade senhor Trevor, diga sem hesitação.
        Leonor esbravejou, quase não se contendo de tanto nervoso.
        -Bem, a novidade em questão...
        Ele disse dando uma pequena pausa:
        - É que a senhorita Grant, somente herdará tudo, caso ela se case dentro de seis meses. E isso inclui a parte da casa que pertence à senhora Sally Cupper. Se a menina não se casar, tudo que pertenceu ao senhor Billie Grant, pertencerá automaticamente ao Estado.
“O queeeeeê? O quê? Como?”
         Eu não conseguia parar de pensar nisso, não tive reação, não tive palavras, a saliva sumiu da minha boca e garganta. E os pensamentos me atropelavam feito loucos, sem controle.
 “Casar? O velho estava louco? Eu só tenho dezessete anos, pelo amor de Deus, corrija esse erro, isso só pode ser uma das piadas do Bill, só pode ser brincadeira.”
        Sally encostou em mim com um copo com água que eu nem vi ela pegar, ela me deu com sua calma habitual e me dizia palavras de consolo... só depois de beber a água entendi o que ela estava dizendo.
        -Vamos menina se acalme, você precisa respirar, precisa se acalmar está pálida.
        Voltando a mim, eu gritei um pouco rouca e entre os dentes:
        -Senhor Trevor, isso é um engano, um erro, meu avô jamais faria isso comigo.
        O que eu ouvi em resposta remexeu meu estômago:
        -Criança, infelizmente, não há nenhum erro, seu avô estava inteiramente lúcido e sabia muito bem o que estava fazendo quando impôs essa condição como cláusula do testamento, eu mesmo fui testemunha.
        Ao dizer isso, Leonor arregalou os olhos para ele, como se estivesse se perguntando; se ele sabia disso esse tempo todo e porque diabo não contou nada a ela?
        Mas ao encarar minha tutora vi seu rosto mudar suavemente do tom assustado, para o seu meio sorriso e isso me fez pensar que ela pode ter pensado que desta vez tudo estava muito melhor para ela. E me deixou ainda mais nervosa. Um olhar de triunfo naquela tempestade, não era bem o que eu achei que veria mesmo na sisuda “Leoa”.











quinta-feira, 19 de julho de 2012


                                                            Capítulo 2
                                                     Elizabeth e o espelho

        Eu estava horrível, dois anos e meio haviam se passado após a morte do Bill, e não havia uma só noite que eu não chorasse ou tivesse pesadelos. Estava tão diferente daquela ocasião, que já tinha até me esquecido que espelhos existiam. Fazia tanto tempo que eu não prestava atenção em mim mesma, que quando olhei para o espelho quase perguntei, “quem é você?”. O que faria o Bill gritar: “Não seja ridícula quem mais teria olhos como esses?”. Olhos grandes e esverdeados, cabelos castanhos, lisos ondulados, que agora estava medindo um pouco mais abaixo que o meio das costas. O cabelo! A parte favorita do velho Bill. Ele sempre dizia que os cabelos compridos são sempre mais bonitos e eu os conservei assim em homenagem a ele. Lábios carnudos e nariz pequeno, pele clara. Se ele estivesse aqui diria: “Você me lembra tanto uma princesa indiana!”. Eu não parecia nada com uma indiana. O Bill era descendente de ingleses. Mas ele sabia que eu morria de inveja da cor de canela que elas possuem e diria qualquer coisa pra me agradar. Eu tinha uma foto da minha mãe colada no espelho e tenho que admitir, a semelhança entre nós duas era grande, principalmente fisica. Margaret era linda, corpo curvilíneo e harmônico, a altura dela? Bem, dessa parte eu não sei muito, mas eu media pouco mais que um metro e setenta, nesse momento.
        O meu reflexo não era dos melhores. Pálida e cheia de olheiras, vestida em uma camisa grande que me servia de pijama. Sem pensar muito, Tirei a roupa e me joguei debaixo de uma ducha quente e tomei um banho revigorante... de jeito nenhum desceria com uma cara abatida e apática, demonstrando fraqueza diante dos meus inimigos. Sim porque, o senhor Robert Trevor não poderia ser classificado propriamente como meu aliado nessa batalha, embora fosse sempre muito educado e disponível para esclarecer minhas dúvidas ele, indisfarçavelmente, tinha uma queda pela senhora Grant. Por esse motivo a “Leoa” sabia tudo que fôra conversado entre eu e o “meu advogado”. Bastante constrangedor para mim, eu nunca podia perguntar abertamente o que queria já que sabia o que aconteceria assim que eu saísse do escritório.
        Mas eis que eu estava a incríveis seis meses do meu aniversário, minha maior idade...  Não havia nada que a “Leoa” e o senhor Trevor poderiam fazer para mudar essa situação. Fora quando os meus pais estavam vivos, esse seria o primeiro aniversário realmente feliz após anos de culpa. Esse seria o aniversário da liberdade.
        Com certeza a primeira coisa que eu faria seria deixar aquela mansão, e saíria por aí, daria a volta ao mundo e começaria pela África do Sul, acho que duas ou três semanas lá, me fariam muito bem.
        Eu ria para mim mesma com meus devaneios. Quando esses pensamentos me enchiam de força e excitação, um outro sentimento tomava conta de mim ao mesmo tempo, nostalgia, aquela mansão era dos Grants há mais de um século, quando eu penso Grants, penso em descendência e não em laços contratuais. E depois a casa não era sombria e velha como um mausoléu. É verdade que ficava um pouco afastada da cidade. Mas era moderna, graças ao bom gosto em decoração da atual senhora Grant, isso eu não tenho como negar. Era também espaçosa, tanto por dentro, quanto por fora, com seu imenso terreno e jardins. Porém sua atmosfera se tornou insuportável com a presença da Leonor, como se fosse um fantasma, a espreita pelos cantos, como se tramasse algo sempre... Mas de uma coisa eu tinha certeza, não havia nada que ela pudesse fazer contra mim. Não que eu pensasse que ela fosse capaz disso.
        Uma vez o Bill, me disse que aquela mansão foi palco de muitas alegrias, meu pai nasceu num dos quartos e por mais estranho que pareça, apesar de todo avanço da medicina, parece que minha mãe optou pela tradição, assim, eu mesma nasci naquela casa.
        Não sei por que, mas eu tinha a sensação que ao sair rumo a liberdade, aquele lugar jamais seria meu novamente. Pensamento estranho já que ela, como todos os bens do Bill, todo dinheiro guardado e tudo o mais pertenciam a mim.
        A fortuna dos Grants,vem da indústria madeireira. As Indústrias Grant estão entre as líderes nacionais na confecção de produtos de madeira.
        Apesar da senhora Grant e seu filho não herdarem nada, ela ficou como minha tutora legal e seu filho como presidente da empresa até que eu fosse capaz de dirigí-la legalmente e correspondesse as exigências para o cargo. O período em que eu estivesse na universidade, o Anthony, permaneceria lá até minha volta e certamente sua mãe permaneceria na casa por tempo indeterminado.
        Há dois anos atrás ela me fez assinar um documento cedendo a casa para ela, mas eu era menor, por lei incapaz, portanto, inapta para isso.  Mesmo que ela tivesse uma procuração para cuidar de tudo para mim, ela não podia gastar os meus bens de forma que prejudicasse o meu patrimônio futuro. Além disso, aquela mansão agora não era só minha...  o que a irritava ainda mais. Leonor não tinha muita opção a não ser o pouco de poder que ela exercia sobre mim, o que a agradava muito, principalmente no primeiro ano de seu reinado.
        Alimentação, vestuário, vigilância, privacidade, quase tudo em mim tinha dono e não era eu, era a “Leoa”.
        Às vezes, eu passava horas e horas trancada no quarto imaginando uma vida simples, com pais, irmãos, vizinhos, amigos e festas. Quando eu tinha quinze anos tudo que eu queria era ser normal. Palavra impossível no momento em que eu passei a ser dona de um império, eu tinha aulas em casa com professores particulares, a Leonor dizia que era para minha própria segurança, por causa de seqüestros e tal. Compras? Eu fazia geralmente quando íamos a Atlanta, quando o shopping estava fechando ,e, no final de expediente do comércio em grifes preferidas por Leonor. Geralmente, as lojas eram fechadas para que eu pudesse escolher à vontade. Roupas e roupas, acessórios e sapatos que, em sua maioria, eu jamais teria chance ou ocasião para usar.
        Era uma prisioneira em minha própria casa.
        Mas ao invés de ajudar no plano da minha querida tutora, e não ter em quem confiar a não ser nela, eu percebi a tempo tudo o que acontecia de errado na casa e nunca me deixei enganar. Com o tempo nossa relação se tornou cada vez mais desconfortável a ponto de quase não mais existir. O que me ajudava a não perder a cabeça era a minha amizade com o Andrew, o Bill colocou esse nome nele e ele se orgulhava de seu nome, não admitia apelidos. Mas eu sempre o chamei de Drew.
        O Drew e eu nascemos quase no mesmo dia, ele era um dia mais velho que eu e só por isso se sentia no direito de exigir ser respeitado por ser mais velho. Ele morava na propriedade com sua mãe, na residência dos empregados, desde que o velho se casara com Leonor. Sally, esse era o nome de sua mãe, ela cozinhou para o senhor Grant todo esse tempo e em seu testamento ela herdara parte da casa. Porém, continuava trabalhando de cozinheira para nós, como se não soubesse o que fazer com o que tinha ganho.
        Ela era doce como os pêssegos da Georgia, e devia ter no máximo, trinta e oito anos, e apesar de não se cuidar tanto quanto sua patroa era bem mais bonita que a desagradável Leonor.
        A Sal, como meu velho a chamava, cheirava a rosas, sua pele era de um branco dourado, seu sorriso era espontâneo e seus abraços calorosos. Como eu gostava dela e do Drew! Os cabelos da Sal eram vermelhos ondulados e os olhos azul celeste. Eu quase não lembrava do jeito da minha mãe, mas acho que se ela fosse viva teria que ser como a Sally.
        O Drew era alto, corpo mediano, rosto simples de traços suaves como o de sua mãe, olhar acolhedor castanho, cabelo de fogo, e bem mais branco que a Sal, ele nunca conheceu seu pai e a Sal nunca falou dele, mas o Drew parecia muito tranquilo quanto a isso. E acima de tudo, ele era o meu melhor amigo desde que eu me conhecia por gente. Crescemos em volta daquela mansão, brincando no bosque próximo a propriedade, subindo em árvores e medindo forças como dois meninos quando brincam de luta. Eu o vencia todas às vezes, mas conforme crescemos deixamos de brincar, o covarde dizia que não queria me machucar.
        Quando eu falava com Drew sobre os planos que eu tinha após o meu aniversário, ele não parecia gostar muito. Mas apesar de sua cara de “não estou certo se essa é a melhor opção”, ele não me recriminava, apenas dizia:
        - É melhor pensar em levar o necessário para você não ter que ligar pra casa chorando feito um bebezinho e pedindo ajuda pra voltar.
        Depois batia no meu ombro, sorrindo:
        - Você deve saber o que está fazendo.
        Eu sempre gostei disso nele e se eu não tivesse tanta certeza sobre ele nunca deixar a Sal sozinha e sobre ela nunca deixar a casa, eu levaria os dois comigo.
        Mas essa era uma preocupação para daqui a seis meses, tudo o que eu podia fazer agora era me lavar, me vestir e descer para a tão importante conversa.
        Coloquei o meu jeans favorito, com uma camiseta branca, sequei um pouco os cabelos com uma toalha, penteei e sacudi para deixá-los solto, pensando não haver tempo de secá-los direito, em seguida calcei sandálias de dedos e sai do quarto.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

O Retorno da Guerreira


Capítulo 1




     A tutora Leonor


        Momento de angústia... Ele me encontrou... Na verdade, não sei se ele realmente me encontrou ou se eu o atraí de alguma forma. Algumas pessoas acreditam em coincidências, mas eu não faço parte delas.
        Quem sou eu? Apenas alguém que já enfrentou a morte algumas vezes, o bastante para saber a diferença entre, encarar o pior de frente ou fugir para lutar amanhã, e garanto que qualquer que seja a decisão nunca será fácil.
        Cidade de Clayton, Condado de Rabun, Georgia.  15 de junho de 2008, 07:00 AM.
        -Elizabeth, abra a porta!
        O barulho era ensurdecedor do lado de fora, minha tutora parecia querer entrar com porta e tudo dentro do meu quarto.
        -Elizabeth querida, tem um assunto importante o qual quero conversar com você, abra a porta!
        Bammm! Bammm! Bam!
        Bem, isso era a novidade e era o que me fazia relutar em abrir, “conversar”, não me lembro quando foi a última vez ou se houve alguma vez depois da morte do Bill, que ela tenha tido necessidade de conversar qualquer coisa comigo e usado um tom tão preocupado e suave como agora. Essa não era a “dona Leonor” que eu conheço. A não ser que o seu cérebro tivesse sido sugado e com ele toda a frieza, regras e impaciência que faziam da minha..., da “Leoa” uma das pessoas mais irritantes que eu já conheci.
        - Querida eu entendo que você tenha sua privacidade..., mas será que poderia abrir a porta, é algo importante e do seu interesse eu garanto. Gostaríamos de conversar em particular com você, está bem, querida!?
        - “Gostaríamos”, ela disse isso? Sussurrei. Não soava mais suave e sim apelativo o que era ainda mais estranho.
        Eu sussurrei ainda mais baixo me certificando que somente eu ouvisse:
        –“Eu entendo”, “importante”, “do seu interesse”, “querida”, eram muitas palavras estranhas para mim vindas da boca da Leonor e de uma só vez.
“O que diabos estava acontecendo afinal?”
        Eu acabara de acordar, com um barulho louco e ainda pensava estar dormindo quando ouvi essas palavras e ao invés de me animar e pensar que enfim um pouco de humanidade havia se apossado da minha tutora, vi-me preocupada, sem saber se abria ou não aquela maldita porta, naquela hora tão indecente.
        Leonor era simplesmente a tutora legal que o meu avô deixou para mim, caso acontecesse alguma coisa a ele. “Leoa”, era assim que eu pensava nela, como uma leoa no pior sentido da comparação; foi casada com o Bill por estúpidos quinze anos, além disso ela era vinte anos mais jovem que ele o que a qualificava para o cargo de tutora... Bill supôs que ela teria uma vida mais longa que a dele, no entanto, o Bill também achou que o grande Jhonny, viveria mais tempo, e se enganou. E por falar em engano a “Leoa”  não supriu as expectativas do Bill quanto a mim, não após sua morte. Se ele achou que ela me amaria como uma “neta”, ou melhor, “filha”, ele se enganou. A vida na mansão era cada dia mais incômoda e fria, embora nos respeitássemos. Por pura falta de sorte, ela era o parente mais próximo que eu conhecia.
        Meu pai era filho único e minha mãe cresceu num orfanato, ela não sabia nada sobre os próprios pais ou parentes. Quando Leonor se casou com o Bill, o meu pai já tinha se formado, casado com a minha mãe e eu tinha acabado de nascer na mansão. Nós morávamos em Athens, Georgia. O meu pai decidiu ficar lá após ter cursado a universidade. Embora essa distância sempre fosse motivo de discussão entre o Bill e o Jhonny, para a Leonor era um tanto satisfatório. Meu pai, o “grande Johnny” como o Bill costumava chamá-lo, e, sua bela esposa Margaret, eram visitantes toleráveis de tempos em tempos, para Leonor. Já que as idas do Jhon a mansão dos Grants eram intercaladas, ano sim ano não.  O que deixava o velho bastante aborrecido. Como ele mesmo costumava dizer, nós éramos (vovô e neta), uma dupla imbatível. Eu adorava as férias com ele. Ele era incrível.
        Com o tempo descobri, que a “Leoa” era o tipo de mulher a qual se devia ter cautela em chatear, caso contrário, como minha tutora, ela cortaria o pouco de regalias que eu ainda possuía aquela altura. Ela tinha um filho, que não vejo desde o enterro do velho Grant, há dois anos e meio. Não, ele não era filho do Bill Grant, mas sempre tinha tudo o que queria com ele, o Bill simplesmente amava aquele garoto e a sua mãe, apesar de ter casado com ela em regime de separação total de bens e com isso ter ganhado o apelido de “velha raposa”. Era assim que ela o chamava. Então ele morre e nós descobrimos que a “velha raposa”, também se esqueceu dela e do seu filho no testamento. Um casamento de quinze anos é um bom tempo para se mudar de idéia quanto a bens; ou não.
        Pelas minhas contas acho que ela está na faixa dos cinqüenta anos, mas nunca perguntei. Com certeza, teria sido um crime interrogá-la sobre sua idade. Caso fizesse, certamente eu seria levada para um reformatório e esquecida lá até apodrecer, sem direito a visitas. Mulheres vaidosas ficam ofendidíssimas quando o assunto é idade, por isso quando quero mantê-la ocupada, às vezes, com cautela, dou a entender que ela está com uma aparência cansada e saiu de fininho para que ela possa se intumescer de cremes anti-idade e aliviar sua rasa consciência me deixando em paz.
        A senhora Grant tinha se tornado uma mulher dura, mas apesar do jeito sisudo que ela adquiriu com a viuvez, notava-se que ela ainda era bastante bonita. Certamente não parecia nada ter a idade que eu desconfiava que ela tivesse. Ela simplesmente parecia ser pelo menos dez anos mais nova do que qualquer idade que eu pudesse imaginar para ela. Fisicamente tinha mais ou menos, um metro e oitenta de altura, cabelos loiros dourados, corte Chanel, olhos escuros e questionadores, sorriso irônico nos lábios, daqueles meio sorrisos frios que não pede muito esforço para ser dado, era dona de um corpo esguio e bem cuidado,  incrivelmente elegante.
        Quando o Bill era vivo, ela parecia ser bem mais agradável, mas depois tudo mudou.
        -Ok, se você não abrir, eu vou chamar um chaveiro e as coisas ficarão bastante difíceis pra você mocinha!
        Palavras mágicas, chaveiro e difíceis.
        Olha lá a Leonor que eu conheço isso significa que eu não estava sonhando, e que também algo muito estranho estava acontecendo.
        -Ok, ok, Já estou indo...
        Ao abrir a porta, quase imediatamente, ela se aproximou do meu rosto e com aqueles olhos escuros, deu seu sorriso pouco agradável e disse:
        -Aí está você!
        Aquele olhar de cima a baixo me fez gelar, mas eu raramente perdia minha máscara de durona na frente daquela mulher.  Antes que ela continuasse, eu disse:
        -Posso ajudar em alguma coisa Leonor? Posso saber por que queria derrubar a porta do meu quarto em pleno dia de domingo e a essa hora da manhã?
        -Meu bem!
        Ela disse pausadamente em tom docemente assustador.
        -Você entendeu errado, eu apenas gostaria que você se juntasse a nós, a mim e ao senhor Trevor, aqui, para uma conversa em particular no escritório. Tudo bem para você querida? Vejo que sua noite deve ter sido difícil. Não precisa se apressar, estaremos a sua espera o tempo que for preciso.
        Deve ter sido um grande esforço para ela dizer aquilo tudo, suponho já que sua voz soava um tanto nervosa.
“Então era isso, o advogado da família tinha algo a me dizer, com certeza deveria ser sobre a herança que finalmente passaria para as minhas mãos daqui há seis meses, quando eu faria dezoito anos e conquistaria minha maior idade, minha  IN-DE-PEN-DÊN-CI-A. Sim, isso explica a suavidade e nervosismo na voz da minha tutora.”
        - Já vou descer, só preciso lavar o rosto, desço num minuto.
        Não perderia isso por nada... antes de bater a porta deixei escapar as palavras mais alto do que gostaria:
        - Não comecem sem mim!
        E ouvi por trás da porta um sorriso nervoso e palavras inseguras dizerem.
        - Jamais começaríamos sem você.