Quantas chances se pode ter de retornar a vida?

EÓRIA é um blog criado para divulgar a trilogia de mesmo nome, cujo o livro um da série, “O retorno da guerreira”, conta a história de uma sociedade de vampiros que foi obrigada a se refugiar no subsolo para sobreviver a partir da rivalidade desencadeada entre vampiros e lobisomens...

quinta-feira, 23 de agosto de 2012


                                                            Capítulo 4
                                                       Memórias de Liz

        A mansão pela primeira vez parecia um lugar desconfortável pra mim, eu queria sumir daquela casa, eu queria sumir daquele lugar e de todos, especialmente, eu queria matar o velho biruta...
“Se eu pudesse fazer com que ele morresse uma segunda vez...”
        Entrei no meu quarto completamente desorientada, bati a porta com força chorando grossas lágrimas e pensando o quanto eu o odiava por ter tornado minha vida um inferno desde de que ele decidiu morrer... e o quanto ele continuava a me punir mesmo após a sua morte.
“Talvez ele me culpasse pela morte do papai, talvez...”
        -Nãooooooo! Eu confiava em você...! Eu te odeio, seu velho sem juízo! Você quer acabar com a minha vida?! Mas eu não vou deixar! Eu não me importo com sua fortuna! Guarde-a no seu caixão! Eu vou embora daqui, vou fugir... e só!
        Era um choro convulsivo, minha cabeça doía muito como se fosse explodir e eu tremia de raiva e indignação com aquela traição.
        Sally batia na porta pedindo para entrar, mas eu não queria ver ninguém, não queria.                          Não havia nada a ser feito eu simplesmente estava condenada.
        - Liz minha querida, Liz abra a porta...
        Não sei dizer quando eu apaguei, mas dormi pesado e sonhei com o velho Bill, rindo pra mim, ou seria rindo de mim, não sei dizer. Porque mesmo ali, a raiva era imensa e eu não conseguia pensar direito.
        A escuridão tomou conta do sonho e uma névoa espessa se formou entre eu e o velho, a raiva, deu lugar ao medo, eu não conseguia mais ver o sorriso dele, nem vê-lo. Eu estava lá sozinha, só escuridão e neblina, nenhum pensamento ousava passar pela minha cabeça, a expectativa era imensa, o medo do que eu podia encontrar fazia com que o meu coração acelerasse mais rápido que o coração de um bebê. Eu costumava a ter pesadelos e geralmente eram iguais, quase toda noite, um desconforto apertou meu estômago e eu os vi, olhos brilhantes, vermelhos sangue dentro da névoa em minha direção, e se aproximavam cada vez mais. Olhos, que eu não conhecia, olhos de ódio, profundos e frios.
        - Bill é você? Vovôôô...
        A medida que aqueles olhos se aproximavam as minhas palavras iam sumindo, até que eu não consegui mais dizer nada e imediatamente eu quis fugir, mas não conseguia me mexer. Percebi sua sombra na névoa, era mais alta do que eu e sua forma era forte e masculina, fechei os olhos esperando acordar a tempo até que uma mão tocou meu antebraço com força eu gemi de dor e desespero, suas mãos queimavam em mim. Logo em seguida, acordei suando muito, coração batendo acelerado, boca seca e mil pensamentos invadindo minha cabeça, mas o que era aquilo, quem era aquele...? Falando para mim mesma, eu repetia feito louca:
        - Esquece isso, foi só um pesadelo, só um pesadelo...
        Era tudo que eu podia fazer agora, tentar me controlar. Foi uma noite difícil pensei; dia estranho. E quando olhei no relógio, marcavam onze horas da manhã? O quê? Ou eu dormi um dia inteiro ou ainda nem era noite. Foi então que me lembrei o porquê me joguei na cama, o porquê estava me sentindo quebrada e desejei voltar ao pesadelo a viver a minha realidade.
        Mas uma vez alguém batia na porta do meu quarto, só que dessa vez era leve e uma voz trêmula disse do outro lado:
        - Senhorita, senhorita Liz, a senhora Leonor espera pela senhorita para servir o almoço.
        De súbito gritei sem ao menos abrir a porta:
        - Clarice, diga a Leonor que não tenho apetite, não quero ver ninguém e nem falar com ninguém, entendido?
        Clarice era quase da minha idade, seu pai era o nosso jardineiro, boa gente. Ela era bastante tímida e um tanto simpática, eu não me relacionava muito com ela, e é verdade que nem sempre notava sua presença de tão quieta que a menina era. A Sal é que vivia conversando com a Clarice, dando conselhos e incentivando-a a estudar, a ir mais longe, “quem sabe cursar a universidade”, a Sal dizia. Não via muito entusiasmo de sua parte, mas com certeza respeito eu via. Era uma boa moça como diria o Bill.
        - Sim, senhorita.
        E logo passos apressados cruzaram a frente do meu quarto e sumiram pelo corredor, descendo as escadas. Deitada na cama, deixei que diversas coisas passassem pela minha cabeça, menos aquilo que me fez perder a fome.
“Não sei por que Leonor insistia tanto em viver como no século passado.”
         Eu ironizei:
        - Senhorita isso, senhora aquilo...
“Não entendo porque ela fazia tanta questão em obrigar os empregados a aprenderem as normas cultas e repetí-las o tempo todo. Quem fazia isso hoje em dia?”
        - Por mim seria sempre Liz, Liz, Liz... Sem mais...
        Olhei ao redor e dei uma boa observada em meu quarto. Espaçoso, minha cama no centro, colchas grossas e bem trabalhadas, armários, um frigo-bar, um imenso closet e muitas outras coisas que enchiam aquele ambiente de requinte e bom gosto, quase um quarto digno de uma princesa ou seria inteiramente de uma princesa. A verdade é que ele não perdia para nenhum outro em que eu estivera hospedada quando o Bill era vivo. Ele adorava conforto e não economizou em nada com a minha pequena e luxuosa suíte cinco estrelas Grant. Na verdade ele se esforçou ao máximo para que eu não sentisse tanta falta de casa quando os meus pais se foram. Foi um choque para ele, seu filho único, sua nora... Foi um verdadeiro milagre que a criança tivesse sobrevivido, foi isso que disseram a ele quando me entregaram nos seus braços, após o resgate. Eu tinha cinco anos e ele era tudo que me restou.
        Sentada ali, pude me lembrar o quanto ele era carinhoso, como se preocupava com os detalhes da vida da sua pequena guerreira. Seus olhos fortes e seu sorriso fácil era o que eu costumava receber todas as manhãs, pois era ele quem me acordava, era ele quem falava que eu tinha o espírito de uma índia guerreira. Ele confiava na minha força, mas do que eu mesma, e não desviava seu olhar de mim. O tempo em que passávamos juntos era tão grande, que o Anthony, filho da Leonor e preferido do meu avô antes que eu chegasse, torcia o nariz para mim e cutucava sua mãe, quando me via. Ele era muito chato, às escondidas, puxava meu cabelo e gritava comigo, não só comigo, mas também com o Drew. Anthony era pelo menos dez anos mais velho que eu e o Drew, o que dava a ele uma vantagem imensa sobre nós. Nunca conseguimos revidar suas maldades.
        Desde que fui morar com o Bill, nenhum dos meus dias tinham sido iguais, ele sempre inventava uma viagem, era um desbravador, um espírito livre, ele ouviu isso na África quando fomos lá em certa ocasião. Um chefe de uma tribo, disse a ele que o seu espírito era livre, desbravador, foi lá que nós ouvimos do mesmo senhor que eu tinha um espírito guerreiro e indomável. Ele gostou tanto disso que depois desse dia ele nunca mais deixou de me chamar de “minha pequena guerreira”.
        As lembranças passavam diante dos meus olhos como se estivessem acontecendo naquele momento.
        O Bill apesar de nunca tirar seus olhos de mim, sempre deixou que eu resolvesse os meus problemas sozinha. E sempre me alertou quanto a julgamentos. Ele dizia:
         “- Julgamentos minha pequena guerreira, pertencem às almas precipitadas, lembre-se disso. O homem sábio trava a batalha dentro de si e somente na exaustão o guerreiro vencedor pode dominá-lo, assim, ele jamais nega a sua natureza, mas amadurece o seu espírito.”
        De todos os lugares que ele mais gostou - sei disso por causa da intensidade do seu entusiasmo quando visitávamos muitos lugares- A Índia, a África, a China e a Grécia, tocaram seu coração como diamantes tocam os olhos das mulheres apaixonadas. Não pelas suas belas paisagens, mas pelo povo. Meu avô gostava de gente e de conhecimento e esses lugares o enfeitiçaram irremediavelmente.
        É por isso que eu queria tanto viajar, queria viver um pouco disso tudo novamente, terminar o que ele começou, dá a volta ao mundo e me tornar um espírito livre e desbravador.
        Com todas essas viagens eu nunca pude ter uma vida normal, sempre tinha um professor particular nos acompanhando, o vovô os escolhia pela coragem demonstrada e pelas charadas decifradas que ele lançava como desafio, ele nunca escolhia pelo conhecimento acadêmico e por seus belos currículos, o que era estranho, já que eu precisava aprender algo. O mais estranho é que sempre dava certo e todo mundo saía ganhando. Eu aprendia, nós desbravávamos, o professor ganhava muito bem e todos voltávamos felizes e seguros para casa. A Leonor detestava as viagens do velho Bill, ele geralmente evitava os lugares convencionais como Paris e Paris, não que ele não gostasse, mas é que ele era um homem rústico, se escolhesse Paris, teria que levar sua jovem esposa, portanto, não poderia dizer não ao tempo perdido com grifes e jantares que não matavam a fome de ninguém, segundo ele.
        Eu por outro lado adoraria se ele variasse um pouco, e ajudasse a me sentir mais feminina. A presença de uma mulher, não seria nada mal de vez em quando, mesmo que fosse a “Leoa”.
        A Leonor quase nunca me dirigia a palavra e depois de um tempo nem mesmo com o Bill ela costumava a falar direito. Vivia pajeando seu tão precioso filho e ensinando-o a tirar vantagens do coração bondoso do Bill.
        No dia em que o desbravador fechou os olhos, eu tinha quinze anos, e tantos sonhos pra realizar com ele ao meu lado. A pequena guerreira vacilou, parte de mim entristeceu tão profundamente que eu pensei nunca mais ser possível gargalhar despreocupada e naturalmente como antes. A dor não tinha fim. Os dias passaram. As coisas mudaram. Eu me tornei prisioneira em minha própria casa e Leonor a cada dia que passava espalhava vitoriosamente suas peças sobre o tabuleiro. Mas eu não me importava, eu só queria levar adiante. E nem mesmo as conversas animadas e o coração entusiasmado do Drew, conseguiam transpor a barreira de gelo ao redor do meu.
 “ Por que ele fez isso? Por que ele pensou uma coisa dessas? Por que me prender assim, se eu era sua pequena guerreira indomável?”
        - Ele me traiu!







terça-feira, 14 de agosto de 2012


Capítulo 3
                           O testamento de Billie Grant

        A mansão era um lugar confortável pra mim, era lá naquela casa que todas as minhas lembranças pareciam vivas. Todas as vezes que eu descia aquelas escadas era como se em seguida o velho Bill Grant surgisse e com seu olhar vivo e seu sorriso largo me apressasse escada abaixo dizendo:
        “- Pronta para mais uma batalha, minha pequena guerreira!”.
        Ele sempre me chamava assim, ele sempre estava me lembrando que cada dia era uma batalha na vida e ao final o que contava eram suas pequenas vitórias sobre si mesmo, sua cautela e resignação para vencer a derrota e lutar no dia seguinte. E, acima de tudo, nunca desistir. Ele nunca desistiu de nada, não que eu me lembre.
         “Lutar e vencer ou recuar e planejar para a próxima batalha”. Esse era o seu lema.
        Sem sentir que já havia se passado meia hora, ao chegar à porta do escritório que estava aberta, pude ver a Leonor sentada em uma cadeira imponente de couro atrás de uma mesa de aparência austera, pesada e escura. Aquele foi o único lugar em que ela não pode decorar, o Bill a proibiu. Ela estava tensa e impaciente. Enquanto isso o senhor Trevor estava em sua frente sentado em uma das duas cadeiras que ficava em frente ao móvel, estrategicamente afastadas uma da outra, e, ambas, de frente a Leonor. O Sr. Trevor não parecia impaciente, porém notava-se um nervosismo em seus olhos e suas mãos apertadas uma contra a outra.
        Quando me viram, automaticamente ela apontou para cadeira vazia em sua frente sem dizer uma só palavra, me dando uma olhar lascivo. E virando-se em direção ao senhor Trevor ela disparou:
        - Agora podemos começar logo com isso senhor Trevor?
        O que me fez deduzir que ela quis saber antecipadamente do que se tratava, mas que dessa vez o senhor Trevor não pode ser conivente. Entrei, fechei a porta e caminhei em direção a cadeira vazia.
        -Bom dia senhorita Elizabeth!
        -Bom dia senhor Trevor!
        -Muito bem...
        Ele fez uma pausa, olhou para mim e prosseguiu:
        - Após a morte do seu avô, o senhor Billie Grant, o testamento foi lido parcialmente aos interessados...
        Antes que ele pudesse continuar Leonor cortou suas palavras.
        - O que? Mas como é possível ter sido... de forma parcial... eu não entendo... isso não é certo...
        Eu também fiquei surpresa, não conseguia pensar no que poderia ser aquilo de parcial que o Bill poderia ter feito.
        - É o que eu gostaria de explicar senhora Grant.
        Disse ele, dando uma pausa e olhando para ela, para ter certeza que não seria mais interrompido.
        -Bem, o senhor Grant, deixou um testamento parcial após sua morte que deveria ser apresentado imediatamente após todos os tramites legais aos familiares e interessados em questão. Uma das cláusulas, porém do testamento definitivo impedia este de ser lido antes do prazo, e isso só seria possível quando faltasse apenas seis meses antes da maior idade da senhorita Grant, herdeira de todos ou quase todos os seus bens.
        -Leia!
        Impacientemente eu ordenei.
        - Pois bem. Todos os bens, contas, ações, propriedades e inclusive essa casa...
        Casa? Eu pensei e rapidamente falei.
        -Espere senhor Trevor, se a casa está incluída nesse testamento definitivo, então a Sally deveria estar aqui, não deveria?
        -De fato sim.
        -Vamos logo com isso senhor Trevor.
        Leonor replicou.
        Mas o senhor Trevor muito calmamente se fez ouvir:
        -A senhorita Elizabeth de fato tem razão quanto à presença da outra parte interessada, precisamos que ela esteja presente, não posso dar continuidade sem ela.
        Insatisfeita, Leonor passou por nós e abriu a porta pesada a nossas costas, chamando uma das empregadas bufou:
        - Vá chamar a cozinheira! Diga para ela vir ao escritório rapidamente!
        A pequena só teve tempo de dizer um singelo, sim senhora. Ignorado por Leonor com um balançar de mãos.
        Em menos de cinco minutos a figura de Sally se fazia presente no escritório.
        -Senhora, mandou me chamar?
        Sally disse com simplicidade.
        Leonor por sua vez a olhou desgostosamente dos pés a cabeça como era de seu costume e disse:
        -Sim, arranje um lugar para sentar-se e ouça.
        Eu sorri para ela, ela retribuiu e sentou-se próxima a mim em uma cadeira esquecida no canto da sala, sem nada dizer. Porém seu olhar me dizia que ela compreendia a urgência do seu chamado até aquela sala e do que se tratava a pequena reunião.
        -Bom...
        Falou o senhor Trevor testando a garganta e bebendo um pouco da água de um copo que estava próximo a ele na mesa.
        - É melhor continuarmos de onde paramos.
        E sem se preocupar em explicar nada a Sally ele continuou:
        - O senhor Grant deixa a sua herdeira e neta senhorita Elizabeth Grant, todas as suas posses e metade desta casa, juntamente com suas ações, contas em banco e tudo mais que lhe pertencia definitivamente assim que esta atingir a maior idade.
        -Isso já sabemos, qual é a novidade senhor Trevor, diga sem hesitação.
        Leonor esbravejou, quase não se contendo de tanto nervoso.
        -Bem, a novidade em questão...
        Ele disse dando uma pequena pausa:
        - É que a senhorita Grant, somente herdará tudo, caso ela se case dentro de seis meses. E isso inclui a parte da casa que pertence à senhora Sally Cupper. Se a menina não se casar, tudo que pertenceu ao senhor Billie Grant, pertencerá automaticamente ao Estado.
“O queeeeeê? O quê? Como?”
         Eu não conseguia parar de pensar nisso, não tive reação, não tive palavras, a saliva sumiu da minha boca e garganta. E os pensamentos me atropelavam feito loucos, sem controle.
 “Casar? O velho estava louco? Eu só tenho dezessete anos, pelo amor de Deus, corrija esse erro, isso só pode ser uma das piadas do Bill, só pode ser brincadeira.”
        Sally encostou em mim com um copo com água que eu nem vi ela pegar, ela me deu com sua calma habitual e me dizia palavras de consolo... só depois de beber a água entendi o que ela estava dizendo.
        -Vamos menina se acalme, você precisa respirar, precisa se acalmar está pálida.
        Voltando a mim, eu gritei um pouco rouca e entre os dentes:
        -Senhor Trevor, isso é um engano, um erro, meu avô jamais faria isso comigo.
        O que eu ouvi em resposta remexeu meu estômago:
        -Criança, infelizmente, não há nenhum erro, seu avô estava inteiramente lúcido e sabia muito bem o que estava fazendo quando impôs essa condição como cláusula do testamento, eu mesmo fui testemunha.
        Ao dizer isso, Leonor arregalou os olhos para ele, como se estivesse se perguntando; se ele sabia disso esse tempo todo e porque diabo não contou nada a ela?
        Mas ao encarar minha tutora vi seu rosto mudar suavemente do tom assustado, para o seu meio sorriso e isso me fez pensar que ela pode ter pensado que desta vez tudo estava muito melhor para ela. E me deixou ainda mais nervosa. Um olhar de triunfo naquela tempestade, não era bem o que eu achei que veria mesmo na sisuda “Leoa”.