Capítulo 3
O testamento de Billie Grant
A mansão era um lugar confortável pra
mim, era lá naquela casa que todas as minhas lembranças pareciam vivas. Todas
as vezes que eu descia aquelas escadas era como se em seguida o velho Bill
Grant surgisse e com seu olhar vivo e seu sorriso largo me apressasse escada
abaixo dizendo:
“- Pronta para mais uma batalha, minha
pequena guerreira!”.
Ele sempre me chamava assim, ele sempre
estava me lembrando que cada dia era uma batalha na vida e ao final o que
contava eram suas pequenas vitórias sobre si mesmo, sua cautela e resignação
para vencer a derrota e lutar no dia seguinte. E, acima de tudo, nunca
desistir. Ele nunca desistiu de nada, não que eu me lembre.
“Lutar
e vencer ou recuar e planejar para a próxima batalha”. Esse era o seu lema.
Sem sentir que já havia se passado meia
hora, ao chegar à porta do escritório que estava aberta, pude ver a Leonor
sentada em uma cadeira imponente de couro atrás de uma mesa de aparência
austera, pesada e escura. Aquele foi o único lugar em que ela não pode decorar,
o Bill a proibiu. Ela estava tensa e impaciente. Enquanto isso o senhor Trevor
estava em sua frente sentado em uma das duas cadeiras que ficava em frente ao
móvel, estrategicamente afastadas uma da outra, e, ambas, de frente a Leonor. O
Sr. Trevor não parecia impaciente, porém notava-se um nervosismo em seus olhos
e suas mãos apertadas uma contra a outra.
Quando me viram, automaticamente ela
apontou para cadeira vazia em sua frente sem dizer uma só palavra, me dando uma
olhar lascivo. E virando-se em direção ao senhor Trevor ela disparou:
- Agora podemos começar logo com isso
senhor Trevor?
O que me fez deduzir que ela quis saber
antecipadamente do que se tratava, mas que dessa vez o senhor Trevor não pode
ser conivente. Entrei, fechei a porta e caminhei em direção a cadeira vazia.
-Bom dia senhorita Elizabeth!
-Bom dia senhor Trevor!
-Muito bem...
Ele fez uma pausa, olhou para mim e
prosseguiu:
- Após a morte do seu avô, o senhor
Billie Grant, o testamento foi lido parcialmente aos interessados...
Antes que ele pudesse continuar Leonor
cortou suas palavras.
- O que? Mas como é possível ter
sido... de forma parcial... eu não entendo... isso não é certo...
Eu também fiquei surpresa, não
conseguia pensar no que poderia ser aquilo de parcial que o Bill poderia ter
feito.
-
É o que eu gostaria de explicar senhora Grant.
Disse ele, dando uma pausa e olhando
para ela, para ter certeza que não seria mais interrompido.
-Bem, o senhor Grant, deixou um
testamento parcial após sua morte que deveria ser apresentado imediatamente
após todos os tramites legais aos familiares e interessados em questão. Uma das
cláusulas, porém do testamento definitivo impedia este de ser lido antes do
prazo, e isso só seria possível quando faltasse apenas seis meses antes da maior
idade da senhorita Grant, herdeira de todos ou quase todos os seus bens.
-Leia!
Impacientemente eu ordenei.
- Pois bem. Todos os bens, contas,
ações, propriedades e inclusive essa casa...
Casa? Eu pensei e rapidamente falei.
-Espere senhor Trevor, se a casa está
incluída nesse testamento definitivo, então a Sally deveria estar aqui, não
deveria?
-De fato sim.
-Vamos logo com isso senhor Trevor.
Leonor replicou.
Mas o senhor Trevor muito calmamente se
fez ouvir:
-A senhorita Elizabeth de fato tem
razão quanto à presença da outra parte interessada, precisamos que ela esteja
presente, não posso dar continuidade sem ela.
Insatisfeita, Leonor passou por nós e
abriu a porta pesada a nossas costas, chamando uma das empregadas bufou:
- Vá chamar a cozinheira! Diga para ela
vir ao escritório rapidamente!
A pequena só teve tempo de dizer um
singelo, sim senhora. Ignorado por Leonor com um balançar de mãos.
Em menos de cinco minutos a figura de
Sally se fazia presente no escritório.
-Senhora, mandou me chamar?
Sally disse com simplicidade.
Leonor por sua vez a olhou
desgostosamente dos pés a cabeça como era de seu costume e disse:
-Sim,
arranje um lugar para sentar-se e ouça.
Eu sorri para ela, ela retribuiu e
sentou-se próxima a mim em uma cadeira esquecida no canto da sala, sem nada
dizer. Porém seu olhar me dizia que ela compreendia a urgência do seu chamado
até aquela sala e do que se tratava a pequena reunião.
-Bom...
Falou o senhor Trevor testando a
garganta e bebendo um pouco da água de um copo que estava próximo a ele na
mesa.
- É melhor continuarmos de onde
paramos.
E sem se preocupar em explicar nada a
Sally ele continuou:
- O senhor Grant deixa a sua herdeira e
neta senhorita Elizabeth Grant, todas as suas posses e metade desta casa,
juntamente com suas ações, contas em banco e tudo mais que lhe pertencia
definitivamente assim que esta atingir a maior idade.
-Isso já sabemos, qual é a novidade
senhor Trevor, diga sem hesitação.
Leonor esbravejou, quase não se
contendo de tanto nervoso.
-Bem, a novidade em questão...
Ele disse dando uma pequena pausa:
- É que a senhorita Grant, somente
herdará tudo, caso ela se case dentro de seis meses. E isso inclui a parte da
casa que pertence à senhora Sally Cupper. Se a menina não se casar, tudo que
pertenceu ao senhor Billie Grant, pertencerá automaticamente ao Estado.
“O queeeeeê? O
quê? Como?”
Eu
não conseguia parar de pensar nisso, não tive reação, não tive palavras, a
saliva sumiu da minha boca e garganta. E os pensamentos me atropelavam feito
loucos, sem controle.
“Casar? O velho estava louco? Eu só tenho
dezessete anos, pelo amor de Deus, corrija esse erro, isso só pode ser uma das
piadas do Bill, só pode ser brincadeira.”
Sally encostou em mim com um copo com
água que eu nem vi ela pegar, ela me deu com sua calma habitual e me dizia
palavras de consolo... só depois de beber a água entendi o que ela estava
dizendo.
-Vamos menina se acalme, você precisa
respirar, precisa se acalmar está pálida.
Voltando a mim, eu gritei um pouco
rouca e entre os dentes:
-Senhor Trevor, isso é um engano, um
erro, meu avô jamais faria isso comigo.
O que eu ouvi em resposta remexeu meu
estômago:
-Criança, infelizmente, não há nenhum
erro, seu avô estava inteiramente lúcido e sabia muito bem o que estava fazendo
quando impôs essa condição como cláusula do testamento, eu mesmo fui
testemunha.
Ao dizer isso, Leonor arregalou os
olhos para ele, como se estivesse se perguntando; se ele sabia disso esse tempo
todo e porque diabo não contou nada a ela?
Mas ao encarar minha tutora vi seu
rosto mudar suavemente do tom assustado, para o seu meio sorriso e isso me fez
pensar que ela pode ter pensado que desta vez tudo estava muito melhor para
ela. E me deixou ainda mais nervosa. Um olhar de triunfo naquela tempestade,
não era bem o que eu achei que veria mesmo na sisuda “Leoa”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário