Capítulo 8
O
caçador de encarnado
Não sei quanto tempo fiquei sem
consciência, mas assim que a minha cabeça começou a funcionar, minha primeira
sensação foi o medo de estar morta. Num impulso abri os olhos e percebi minha
vista embaçada, era um teto de um lugar estranho. Não havia muita luz ali.
Virei a cabeça de lado antes de tentar mexer o meu corpo e senti-la quase a
estourar de dor. Ao redor tudo parecia velho, abandonado e assustador. O cheiro
era horrível, cheiro de coisa podre, de carne podre e o calor que eu sentia...
Meu Deus! Era dezembro, como podia estar tão quente? Tentei virar o corpo para
o outro lado e a dor foi terrível, então virei só a cabeça novamente e muito
dificilmente consegui enxergar, fogo? Fechei os olhos e...
-A merda...!!! Não acredito! Merda!
Merda! Morri virgem e fui para o inferno!!! É muita falta de sorte.
-Você não foi para o inferno.
Uma voz forte de homem falou perto de
mim.
Levei um susto, tentei levantar, mas
ele segurou os meus ombros me imobilizando para que eu permanecesse onde
estava. A dor do esforço me despedaçou por dentro. Então ele disse:
-É melhor não fazer muito esforço, você
ainda está se recuperando.
-Quem é você? Que lugar é esse? Eu
estou morta?
Ele riu alto e disse:
-Muitas perguntas. Mas vou responder
estas e nenhuma a mais, ok?
Eu não entendi que graça tinha as
minhas perguntas e que graça tem uma situação daquelas, mas concordei.
-Sim.
-Meu nome é Maviael, eu sou um caçador
de encarnados, você está num abrigo na floresta de Chattahoochee e não! Você
não morreu!
-Você me salvou? Você viu aquele homem?
Você o conhece? O quê...?
-Xiiiii! Já disse que não responderei
mais a nenhuma pergunta. Agora descanse. Precisa se recuperar.
-Eu, não sei se posso confiar em
você...
-Não tem escolha Ádria. Durma.
Não tive tempo para pensar, um cheiro
de ervas surgiu ao meu redor e antes que eu pudesse dizer qualquer coisa
apaguei novamente.
A segunda vez que abri os olhos percebi
que a minha visão estava ótima, meu corpo já não doía mais, nem minha cabeça.
Tudo parecia tão distante, como se tivesse sido um pesadelo e só. Pensei ter
sonhado com um homem chamado Maviael, que me salvou. Enquanto pensava nisso
permaneci olhando para o teto e foi então que reconheci o abrigo.
Era
verdade... eu estava num abrigo de caçador, não parecia tão ruim assim dessa
vez. Era escuro e bagunçado, tinha um cheiro ruim ainda, mas não mais de coisa
podre, estava mais para mofo. Mas nem sinal do tal Maviael.
Sentei na cama improvisada que estava
ao lado de uma lareira e percebi que ainda estava vestida com as roupas do
casamento. O vestido estava rasgado, horrivelmente manchado de marrom, aquilo
era sangue, meu sangue. Ele estava tão coberto de sangue que não entendi como
pude ter escapado dessa com vida.
Fiquei de pé e mexi o corpo, eu estava
ótima, abaixei a parte de cima do vestido para ver meu ferimento e...o que? Não
tinha nada lá, nem uma mancha, nem cicatriz.
“Não entendo.
Aquele homem afirmou que eu não estava morta, então como pode ontem eu ter
levado dois tiros e hoje não haver marca alguma?”
Sem que eu percebesse Maviael entrou e
falou:
-É tudo muito novo pra você. Entendo
que esteja surpresa.
Droga eu estava nua, ou seminua, ele
não devia ter entrado assim. Suspendi a roupa e quando olhei para ele não pude
acreditar no que vi.
Ele era o homem mais atraente que eu já
conheci. Só de olhar, daria a ele vinte e poucos anos, cabelo preto, liso,
olhos castanhos, queixo quadrado, boca olhos e nariz perfeitos, forte, mas como
se fosse musculoso, não como se fosse gordo, alto mas não muito e sua voz agora
parecia tão firme e confiável. Estava vestido com calças pretas e sobretudo
preto aberto, de forma a deixar a mostra a blusa branca de botões.
“Será que ele
também estava no casamento? Será que conhecia o Anthony? Será que estava ali a
mando dele?”
Comecei a pirar... Quando ele me
interrompeu.
-Ádria? Você está bem? Trouxe algo para
você se alimentar.
-Meu nome é Liz, acho que você me
confundiu com outra pessoa.
-Hahahahaha!
Ele riu um riso solto como da primeira
vez e logo em seguida acrescentou:
-Eu sei que agora você se chama
Elizabeth Grant. “Ádria” é uma longa história que no tempo certo você vai saber.
Agora, é melhor se apressar e se alimentar. Partiremos em seguida.
-Ótimo preciso ir até a polícia e
denunciar aquele cretino. Você pode me ajudar no depoimento. Você sabe o que
aconteceu com aquele homem horrível da floresta?
-Polícia? Homem da floresta? E o que
você dirá no seu depoimento? Que levou tiros ontem, mas que hoje está
completamente curada por milagre? Não temos tempo para polícia. Partiremos para
a morada dos imortais hoje mesmo.
-Hahahaha!!!
Dessa vez fui eu quem não conseguiu se
conter.
Repeti com um ar de graça ainda nos
lábios. Imitando seu tom de voz.
- Partiremos para morada dos imortaaaais!!!
Ele me olhava fixamente e sem a menor
graça no rosto. Perdi o riso no mesmo instante e percebi que ele falava sério
comigo.
-Quando você diz morada dos imortais,
você quer dizer morada dos imortais?
Foi a coisa mais estúpida que eu já
perguntei na vida.
-Sim. Coma, vista-se, que em seguida
partiremos.
Seu tom descontraído e respeitoso agora
soava mais como ordens de um general.
-Desculpe, mas você não entendeu senhor
Maviael, eu fui vítima de tentativa de homicídio ontem à noite, a mando do meu
próprio esposo, no dia do meu casamento. E ele agora deve estar lá rindo de mim
achando que eu estou morta, herdando o que é meu. Eu tenho que pensar como
organizar as coisas com toda essa confusão, eu...
-Ádria, você não pertence mais ao mundo
dos humanos, suas preocupações de antes, não servem mais de nada, você mudou.
E apontando para uma jarra na mesa,
olhou para mim, sorriu e disse:
-Quando terminar me avise. Partiremos
em seguida, e não se preocupe, suas dúvidas serão esclarecidas ao chegar em casa...
Mundo dos mortais? Casa? Eu ia surtar naquele momento, mas, ao
olhar para ele percebi que ele estava tão seguro do que disse que decidi não
discutir, supus que ele não me responderia mais do que já respondeu. Parecia
ansioso em sair logo dali.
Fui até a mesa e estava tão sedenta que
nem procurei um copo, virei a jarra na boca e senti um gosto delicioso. Nunca
tomei uma bebida como essa, bebi até o fim e quando afastei a vasilha da boca,
olhei curiosa para dentro para ver com que se parecia. Tomei um susto tão grande
que deixei a jarra cair... era s-a-n-g-u-e!
-Ó MERDA!
Gritei tão alto. A porta se abriu com
um estrondo e Maviael estava de pé olhando pra mim assustado, procurando por
alguém no abrigo.
-Quem é você? O que fez comigo? Isso é
sangueeee...
-Sim é. E eu também já respondi a você
quem sou eu. Agora é melhor partimos.
Chegaremos em casa cedo se sairmos
agora. Vista-se, está suja.
Ele falou apontando para uma mochila
que estava junto a mesa. Parecia nervoso demais.
Eu olhei e assenti com a cabeça, decidi
não fazer mais perguntas e me virei em direção as roupas para vestí-las. Ele
ficou ali e eu virei em direção a ele me perguntando se ele ficaria olhando eu
me trocar.
-Desculpe. Deixarei você à vontade.
Qualquer coisa estarei aqui fora.
-Como se isso me acalmasse!
Resmunguei.
Abri a mochila e tirei as roupas. Jeans
surrada, camiseta branca e tênis, pareciam com as minhas roupas preferidas. Me
despi do vestido e olhei o meu corpo nu, impressionante não tinha marca alguma.
Vesti as roupas limpas, depois abri a mochila e joguei o vestido dentro. Estava
resignada a guardá-lo até o momento certo de pedir contas pelo que me fizeram.
Seria o meu estímulo.
Abri a porta do abrigo coloquei a
mochila nas costas e vi Maviael que estava bem em frente, quando ele se virou
eu assenti com a cabeça em sinal de que estava pronta. Sem dizer nada mais, ele
começou a andar em silêncio dando espaço para eu o seguir.
Grandes árvores nos cercavam a medida
que caminhávamos, devíamos estar muito longe da estrada agora, o dia estava
frio, mas eu não reclamei, apenas continuei seguindo Maviael que agora andava a
passos largos e rápidos. Caminhamos por horas sem descanso, mas eu não sentia cansaço
algum. Desde que saímos do abrigo não trocamos uma palavra, somente quando eu
vacilava em meus passos, ele se inclinava e me apoiava sem nada dizer e ao me
equilibrar seguíamos em frente.
Estava começando a escurecer quando
paramos em frente a uma caverna, meu coração batia acelerado, hesitei em entrar
pensei que pudesse ter algum bicho, como urso ou algo pior ali dentro. Maviael
entrou sem medo e enquanto eu fiquei ali me perguntando se devia entrar ou não,
um braço saiu da escuridão da caverna e me puxou firmemente. Ele voltou para me
buscar. E sem dizer nada pegou minha mochila.
Ao entrar na caverna percebi que sem
muito esforço, eu conseguia enxergar naquela escuridão, Maviael passou a mão
numa pedra no final do túnel e ela abriu imediatamente, depois de passarmos ela
se fechou atrás de mim e começamos uma descida por uma escadaria de pedras.
Depois de muitas direitas e esquerdas
cercada de pedra o corredor se alargou e no umbral da abertura pude ler.
“Bem-vindos a Eória, lar dos guerreiros
imortais!”
“Nunca vi nada
igual. Como podia existir um lugar assim embaixo da terra?”
Passamos pela abertura e para minha
surpresa o rústico deu lugar ao moderno, passamos por um corredor de vidro
imenso e entramos em um elevador, vi Maviael apertar um botão com um símbolo
estranho e imediatamente começamos a descer, não sei ao certo quanto descemos,
mas parecia uma eternidade. Quando o elevador parou e abriu suas portas, vi
mais um corredor de vidro. Ao redor rocha e em frente uma porta metálica que ao
nos aproximarmos se abriu.
Antes de seguirmos, Maviael olhou para
mim e disse:
-Você está sendo esperada no conselho,
haja o que houver não fale nada. Apenas escute.
Ele me olhou incisivamente até ter certeza
que eu havia entendido o que ele tinha dito.
-Tudo bem.
Eu disse e olhei para ele tão firme
quanto ele me olhou e assenti com a cabeça em sinal de entendimento.
Entramos em outro corredor, mas este
não era de vidro, era todo de metal com portas nas laterais, viramos à direita
e paramos em frente a uma grande porta escura com um brasão de dois leões
brigando.
Em tom de reverência e gestos que me
lembravam um soldado com os dois punhos fechados e erguidos para frente na altura
da cintura, Maviael saudou a porta:
-Com sangue lutamos por Eória!
A porta se abriu e nós entramos.
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