Capítulo
2
Elizabeth e o espelho
Eu estava horrível, dois anos e meio
haviam se passado após a morte do Bill, e não havia uma só noite que eu não chorasse
ou tivesse pesadelos. Estava tão diferente daquela ocasião, que já tinha até me
esquecido que espelhos existiam. Fazia tanto tempo que eu não prestava atenção
em mim mesma, que quando olhei para o espelho quase perguntei, “quem é você?”.
O que faria o Bill gritar: “Não seja ridícula quem mais teria olhos como
esses?”. Olhos grandes e esverdeados, cabelos castanhos, lisos ondulados, que
agora estava medindo um pouco mais abaixo que o meio das costas. O cabelo! A
parte favorita do velho Bill. Ele sempre dizia que os cabelos compridos são
sempre mais bonitos e eu os conservei assim em homenagem a ele. Lábios carnudos
e nariz pequeno, pele clara. Se ele estivesse aqui diria: “Você me lembra tanto
uma princesa indiana!”. Eu não parecia nada com uma indiana. O Bill era
descendente de ingleses. Mas ele sabia que eu morria de inveja da cor de canela
que elas possuem e diria qualquer coisa pra me agradar. Eu tinha uma foto da
minha mãe colada no espelho e tenho que admitir, a semelhança entre nós duas
era grande, principalmente fisica. Margaret era linda, corpo curvilíneo e
harmônico, a altura dela? Bem, dessa parte eu não sei muito, mas eu media pouco
mais que um metro e setenta, nesse momento.
O meu reflexo não era dos melhores.
Pálida e cheia de olheiras, vestida em uma camisa grande que me servia de
pijama. Sem pensar muito, Tirei a roupa e me joguei debaixo de uma ducha quente
e tomei um banho revigorante... de jeito nenhum desceria com uma cara abatida e
apática, demonstrando fraqueza diante dos meus inimigos. Sim porque, o senhor
Robert Trevor não poderia ser classificado propriamente como meu aliado nessa
batalha, embora fosse sempre muito educado e disponível para esclarecer minhas
dúvidas ele, indisfarçavelmente, tinha uma queda pela senhora Grant. Por esse
motivo a “Leoa” sabia tudo que fôra conversado entre eu e o “meu advogado”.
Bastante constrangedor para mim, eu nunca podia perguntar abertamente o que
queria já que sabia o que aconteceria assim que eu saísse do escritório.
Mas eis que eu estava a incríveis seis
meses do meu aniversário, minha maior idade...
Não havia nada que a “Leoa” e o senhor Trevor poderiam fazer para mudar
essa situação. Fora quando os meus pais estavam vivos, esse seria o primeiro
aniversário realmente feliz após anos de culpa. Esse seria o aniversário da
liberdade.
Com certeza a primeira coisa que eu
faria seria deixar aquela mansão, e saíria por aí, daria a volta ao mundo e
começaria pela África do Sul, acho que duas ou três semanas lá, me fariam muito
bem.
Eu ria para mim mesma com meus
devaneios. Quando esses pensamentos me enchiam de força e excitação, um outro sentimento
tomava conta de mim ao mesmo tempo, nostalgia, aquela mansão era dos Grants há
mais de um século, quando eu penso Grants, penso em descendência e não em laços
contratuais. E depois a casa não era sombria e velha como um mausoléu. É
verdade que ficava um pouco afastada da cidade. Mas era moderna, graças ao bom
gosto em decoração da atual senhora Grant, isso eu não tenho como negar. Era
também espaçosa, tanto por dentro, quanto por fora, com seu imenso terreno e
jardins. Porém sua atmosfera se tornou insuportável com a presença da Leonor,
como se fosse um fantasma, a espreita pelos cantos, como se tramasse algo
sempre... Mas de uma coisa eu tinha certeza, não havia nada que ela pudesse
fazer contra mim. Não que eu pensasse que ela fosse capaz disso.
Uma vez o Bill, me disse que aquela
mansão foi palco de muitas alegrias, meu pai nasceu num dos quartos e por mais
estranho que pareça, apesar de todo avanço da medicina, parece que minha mãe
optou pela tradição, assim, eu mesma nasci naquela casa.
Não sei por que, mas eu tinha a
sensação que ao sair rumo a liberdade, aquele lugar jamais seria meu novamente.
Pensamento estranho já que ela, como todos os bens do Bill, todo dinheiro
guardado e tudo o mais pertenciam a mim.
A fortuna dos Grants,vem da indústria
madeireira. As Indústrias Grant estão entre as líderes nacionais na confecção de produtos de
madeira.
Apesar da senhora Grant e seu filho não
herdarem nada, ela ficou como minha tutora legal e seu filho como presidente da
empresa até que eu fosse capaz de dirigí-la legalmente e correspondesse as
exigências para o cargo. O período em que eu estivesse na universidade, o
Anthony, permaneceria lá até minha volta e certamente sua mãe permaneceria na
casa por tempo indeterminado.
Há dois anos atrás ela me fez assinar
um documento cedendo a casa para ela, mas eu era menor, por lei incapaz,
portanto, inapta para isso. Mesmo que
ela tivesse uma procuração para cuidar de tudo para mim, ela não podia gastar
os meus bens de forma que prejudicasse o meu patrimônio futuro. Além disso,
aquela mansão agora não era só minha... o que a irritava ainda mais. Leonor não tinha
muita opção a não ser o pouco de poder que ela exercia sobre mim, o que a
agradava muito, principalmente no primeiro ano de seu reinado.
Alimentação, vestuário, vigilância,
privacidade, quase tudo em mim tinha dono e não era eu, era a “Leoa”.
Às vezes, eu passava horas e horas
trancada no quarto imaginando uma vida simples, com pais, irmãos, vizinhos,
amigos e festas. Quando eu tinha quinze anos tudo que eu queria era ser normal.
Palavra impossível no momento em que eu passei a ser dona de um império, eu
tinha aulas em casa com professores particulares, a Leonor dizia que era para
minha própria segurança, por causa de seqüestros e tal. Compras? Eu fazia
geralmente quando íamos a Atlanta, quando o shopping estava fechando ,e, no
final de expediente do comércio em grifes preferidas por Leonor. Geralmente, as
lojas eram fechadas para que eu pudesse escolher à vontade. Roupas e roupas,
acessórios e sapatos que, em sua maioria, eu jamais teria chance ou ocasião
para usar.
Era uma prisioneira em minha própria
casa.
Mas ao invés de ajudar no plano da
minha querida tutora, e não ter em quem confiar a não ser nela, eu percebi a
tempo tudo o que acontecia de errado na casa e nunca me deixei enganar. Com o
tempo nossa relação se tornou cada vez mais desconfortável a ponto de quase não
mais existir. O que me ajudava a não perder a cabeça era a minha amizade com o
Andrew, o Bill colocou esse nome nele e ele se orgulhava de seu nome, não
admitia apelidos. Mas eu sempre o chamei de Drew.
O Drew e eu nascemos quase no mesmo
dia, ele era um dia mais velho que eu e só por isso se sentia no direito de
exigir ser respeitado por ser mais velho. Ele morava na propriedade com sua mãe,
na residência dos empregados, desde que o velho se casara com Leonor. Sally,
esse era o nome de sua mãe, ela cozinhou para o senhor Grant todo esse tempo e
em seu testamento ela herdara parte da casa. Porém, continuava trabalhando de
cozinheira para nós, como se não soubesse o que fazer com o que tinha ganho.
Ela era doce como os pêssegos da
Georgia, e devia ter no máximo, trinta e oito anos, e apesar de não se cuidar
tanto quanto sua patroa era bem mais bonita que a desagradável Leonor.
A Sal, como meu velho a chamava,
cheirava a rosas, sua pele era de um branco dourado, seu sorriso era espontâneo
e seus abraços calorosos. Como eu gostava dela e do Drew! Os cabelos da Sal
eram vermelhos ondulados e os olhos azul celeste. Eu quase não lembrava do
jeito da minha mãe, mas acho que se ela fosse viva teria que ser como a Sally.
O Drew era alto, corpo mediano, rosto
simples de traços suaves como o de sua mãe, olhar acolhedor castanho, cabelo de
fogo, e bem mais branco que a Sal, ele nunca conheceu seu pai e a Sal nunca
falou dele, mas o Drew parecia muito tranquilo quanto a isso. E acima de tudo,
ele era o meu melhor amigo desde que eu me conhecia por gente. Crescemos em
volta daquela mansão, brincando no bosque próximo a propriedade, subindo em
árvores e medindo forças como dois meninos quando brincam de luta. Eu o vencia
todas às vezes, mas conforme crescemos deixamos de brincar, o covarde dizia que
não queria me machucar.
Quando eu falava com Drew sobre os
planos que eu tinha após o meu aniversário, ele não parecia gostar muito. Mas
apesar de sua cara de “não estou certo se essa é a melhor opção”, ele não me
recriminava, apenas dizia:
- É melhor pensar em levar o necessário
para você não ter que ligar pra casa chorando feito um bebezinho e pedindo
ajuda pra voltar.
Depois batia no meu ombro, sorrindo:
- Você deve saber o que está fazendo.
Eu sempre gostei disso nele e se eu não
tivesse tanta certeza sobre ele nunca deixar a Sal sozinha e sobre ela nunca
deixar a casa, eu levaria os dois comigo.
Mas essa era uma preocupação para daqui
a seis meses, tudo o que eu podia fazer agora era me lavar, me vestir e descer
para a tão importante conversa.
Coloquei o meu jeans favorito, com uma
camiseta branca, sequei um pouco os cabelos com uma toalha, penteei e sacudi
para deixá-los solto, pensando não haver tempo de secá-los direito, em seguida
calcei sandálias de dedos e sai do quarto.