Capítulo 10
As
respostas
Refiz minhas forças ali naquele banho.
Estava cansada, mas sem sono algum. Deixei a água cair sobre a minha cabeça por
um bom tempo, fechei os olhos, mas automaticamente vi a imagem daquele homem
grotesco da floresta, a raiva me invadiu e eu sacudi a cabeça lançando para
longe aqueles pensamentos. Sequei o cabelo e ao sair do banheiro fui em direção
ao closet e para minha surpresa, não encontrei um terno feminino, mas roupas
comuns, shorts, calças, blusas e vestidos para todas as ocasiões.
“O que mais
poderia me surpreender naquele lugar?”
Escolhi um vestido simples longo, verde
claro e muito bonito, sem surpresa alguma ele se ajustou no meu corpo, fechei o
zíper na parte superior e me olhei num grande espelho em frente.
Impressionante, meus olhos combinaram com a cor da roupa, os ombros ficaram a
mostra, o vestido contornava os meus seios e destacou minha cintura, nos
quadris ele era solto e se alongava até os pés. Fui até a penteadeira e em cima
havia uma caixa de jóias, dentro peças prateadas, douradas e trabalhadas.
Escolhi uma tornozeleira prata com pingentes diversos e dois braceletes pratas
iguais, um para cada braço. Me olhei novamente e vi o meu reflexo no espelho eu
estava tão diferente, mas completamente à vontade. Estava faminta, porém as
respostas que eu precisava eram mais urgentes do que a fome.
-Liz, agora é a hora da verdade garota!
Estava tudo tão quieto, entrei na sala
e olhei ao redor, não vi ninguém. Sorri para mim mesma, balancei a cabeça e
disse:
-Saiu de fininho!
Antes que eu desse o próximo passo,
Maviael falou:
-Procurando por alguém senhorita?
Ele estava atrás de mim, quando me
virei o vi encostado na lateral da entrada de um outro cômodo do apartamento.
Ele me olhou surpreso e fixamente nos olhos, eu desviei o olhar e ele disse:
-Com o tempo você vai perceber que a
palavra dada por um vampiro é mais certa do que a própria morte.
Vampiro, esse era o termo que eu temia.
Embora eu já soubesse intimamente que ele surgiria, todo esse tempo procurei
fingir naturalidade. Ainda parecia um pouco absurdo pra mim, apesar de todo
esse novo mundo está bem na frente dos meus olhos, eu não sabia o que pensar.
-Tem certeza que não quer se alimentar
antes? Vai ser uma longa história.
-Não tenho certeza de nada.
-Venha até o estoque.
Ele me chamou com as mãos e entrou no
cômodo. De frente a uma geladeira imensa, ele me olhou e disse:
-Você vai se acostumar com tudo mais
rápido do que imagina.
O eletrodoméstico tomava toda a parede
lateral do lugar, eram quatro portas largas de inox, uma ao lado da outra. E
quando ele abriu havia tanto sangue dentro que eu fiquei tonta.
Também percebi armários e uma pia,
parecia uma cozinha mas não seria esse o termo adequado. Talvez estoque fosse
mesmo a descrição certa para o lugar.
Maviael
pegou dois copos alongados, encheu com o líquido vermelho, estendeu a mão para
que eu pegasse um, levantou como se brindasse e tomou. Eu fiz o mesmo, a
princípio achei que não conseguiria, mas quando encostei nos lábios, o cheiro e
o sabor me fizeram perder os sentidos e senti novamente a ânsia de beber de
forma incontrolável, o que fiz prontamente.
O prazer daquele momento durou pouco,
ao terminar olhei para o copo ainda em minhas mãos distraidamente e quando
voltei a mim, fiquei envergonhada ao perceber que o Maviael me olhava com ar de
entendimento.
-Por que tanto sangue para um só
vampiro e de onde vem tudo isso?
-Nós precisamos nos alimentar com pelo
menos três litros de sangue por dia.
Por isso estocamos 30 litros de sangue
em cada dependência por semana. Sempre colocamos a mais para caso de
emergências. Todo esse sangue que você vê no estoque é artificial. Beber sangue
in natura é proibido e punido com pena de morte. Já que geralmente o ato leva
os humanos à óbito.
-É melhor sentarmos.
E passando por mim foi até a sala e
sentou-se.
-Quem são todas aquelas pessoas daquela
sala e o que elas fazem?
-Fazem parte do conselho. O conselho é
composto de duzentos vampiros. Eles não se reúnem sempre, apenas para tratar de
assuntos importantes.
- O homem de branco... quem é?
- É o nosso rei Irad.
-O que significa as cores das roupas?
Ele riu surpreso e respondeu:
-O conselho é composto pelos nobres. O
título de nobreza é devido ao grau de antiguidade das suas famílias, não aos
membros delas. A cor branca pertence a instância maior, ou seja, ao rei e aos
seus herdeiros.
-Não dos membros delas?
-Nenhum lugar no conselho pode ser
substituído, um lugar só pode ser preenchido somente se tratando de
reintegração. Por exemplo, um guerreiro encarnado encontrado, mesmo tendo
renascido a pouco tempo, toma parte no conselho, se pertencente a algumas
daquelas famílias, pois subentende-se que o lugar era dele anteriormente.
-Vampiros possuem famílias?
-Alguns, no início, foram transformados
com toda sua família. Algumas delas existem há séculos. Mas nem todos os
transformados sobreviveram a mudança. Porém os que sobreviveram instituíram
ordem e liderança.
-Como a lei do consumo artificial de
sangue?
-Sim.
-Se beber sangue diretamente de um
humano é proibido, como conseguiu sobreviver longe daqui?
-Dos lobos (lobisomens), eles vivem na
superfície e precisam tanto de sangue quanto nós. Embora o Condado fique bem
longe do nosso local de origem, a alguns séculos começamos a perceber uma
imigração de lobos para a região. Eles assim como nós precisam de um estoque, o
deles é vasto e sem muita vigilância, alguns atacam humanos sem represálias de
nossa parte, pois, eles acreditam que fomos eliminados na grande batalha. Uma
vez que o estoque não é vigiado, fica fácil de conseguir pegar o que precisa,
mas eu nem sempre recorri a esse meio, ora bebia do estoque dos lobos, ora
bebia de animais da floresta, o gosto é péssimo e o valor energético é menor,
mas serve. Aliás, o sangue artificial foi descoberta dos lobos, nós tínhamos um
projeto antigo, antes da grande batalha acontecer. A pedido do rei, lobos e
vampiros trabalharam juntos para descobrir como desenvolver sangue, um lobo
cientista chamado Nesmut foi quem desvendou o processo primitivo. O povo estava
passando fome e o rei tinha pressa. Com grande esforço conseguimos chegar a um
extrato muito parecido com o que temos hoje. Daí quando tivemos que nos
esconder, retomamos as pesquisas de onde paramos, a princípio os eorianos saíam
da caverna em grupos para se alimentar mas era muito arriscado para nós,
aceleramos as pesquisas e desenvolvemos o sangue, a partir daí os vampiros não
tiveram mais necessidade de ir até a superfície, a não ser para resgatar os
encarnados. E pelo visto os lobos também levaram adiante as suas pesquisas e
assim como nós tiveram êxito.
-Deve ter sido difícil.
-Sou um caçador, estou acostumado.
-Eu nunca vi um lobisomem em Clayton,
nem nunca ouvi falar sobre isso.
-Existem muitas coisas que você nunca
ouviu falar. Os lobos vivem em bandos, moram como nós em sua própria reserva,
mas agem como humanos e se misturam entre eles. Nós costumávamos fazer isso até
a grande batalha, onde os lobos mataram muitos de nós e tomaram o poder.
- É por isso que se escondem aqui?
-Sim.
-O que aconteceu nessa grande batalha?
Ele puxou o ar e continuou:
-Há mais de quatro mil anos atrás, Irad,
nosso rei, governava as duas linhagens sobre a Terra, vampiros e lobos. No seu
governo nunca nos foi permitido massacres de humanos, contudo, podíamos tirar
proveito das guerras dos homens, pois, o rei entendia que nas guerras as baixas
humanas aconteciam sem a interferência de nenhuma das partes. Mas quando estas
passavam e os lobos ou os vampiros sentiam fome e se rebelavam, a matança era
sem controle. Então no ano de 522 d. C, o rei Irad tomou uma decisão extrema
que mexeu com os dois lados, ele restringiu o consumo exagerado de sangue e
delimitou o seu uso para vampiros e lobos. Cada vampiro e lobo só tinham
direito a um humano a cada duas semanas. Estando sob pena de morte aquele que
desobedecesse a lei. Os lobos não ficaram satisfeitos, eles não têm palavra,
mentiram e burlaram a lei e muitos foram condenados. Mas o rei calculou que se
continuássemos daquela maneira extinguiríamos a raça humana desse planeta em
pouco tempo. Então, quando o rei decidiu que seria feito um senso entre
vampiros e lobos e decretou que o limite permitido de transformados tanto para
vampiros como para lobos seria de 10.000 habitantes, houve rebelião, a aliança
foi quebrada, o rei traído e caçado, e, com ele, todo o seu povo. Como
vingança, Sneferu, condenou a morte o filho do rei e sua esposa, com eles mais
de mil guerreiros vampiros de valor.
O reinado de Sneferu teve início e
nosso povo fugiu da superfície.
-Recuar hoje para lutar amanhã!
Pensei alto tentando entender.
-Sim isso mesmo.
Ele viu que eu estava acompanhando e
continuou.
-Havia uma profetiza antiga em nosso
reino, cem anos antes da batalha ela profetizou: “O
trono mais alto perecerá e um rio de lágrimas e sangue sobrevirá. Um rei será
traído e todo o seu povo pagará por isso, para que sejam purificados das
maldades de seus corações”.
O rei não a ouviu. O conselho não a
ouviu. Ninguém a ouviu.
Quando começamos a nos abrigar no
subsolo, ao final de nossas primeiras construções, outra profecia foi feita aos
pés do guerreiro imortal.
“Quando
duas mãos injustas tomarem o poder sobre a Terra, o sangue dos guerreiros
mortos retornarão a marca estabelecida, um povo esquecido retomará o poder pela
mão de uma guerreira renascida, ela trará a esperança; a ela será dada a força
sem limites. Somente ela poderá domar o filho selvagem do injusto e unificar os
reinos. Então um trono será erguido e a Terra será governada com paz e justiça
para todos”.
-Dessa vez ouvimos a profetiza, e
quando Jubal e Jabel, mataram seu próprio rei Sneferu, por causa do trono, há
quinhentos anos atrás, deu-se início a profecia. Nosso marcador do senso,
símbolo das nossas baixas na batalha, marcou um número a mais e entendemos que
deveríamos sair a procura, foi então instituída a ordem dos caçadores de
encarnados e a nossa última missão terminaria quando o marcador estivesse
marcando 10.000.
Ele concluiu me olhando seriamente nos
olhos.
-Dez mil? A mesma marca que eu vi num
relógio no salão de conferência.
Eu disse.
-Sim, você foi nossa última guerreira
encarnada.